quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Solta a voz!

No Conservatório Mineiro de Música, prédio construído em 1926 e entregue em 1950 para a Universidade Federal de Minas Gerais, os semifinalistas do Prêmio Cultura Viva se reuniram a tarde para se conhecerem pessoalmente. Teve gente de todas as partes do Brasil, empolgada para apresentar sua cultura regional.

Célio Turino, do MinC, esteve presente e explicou porque o Ministério investiu no Prêmio Cultura Viva. "A idéia de se premiar foi para estabelecer um diálogo com essas iniciativas que vai além dos Pontos de Cultura. Queremos desenconder o Brasil", falou.

Para o ano que vem, Turino quer investir na formação dos semifinalistas da primeira e segunda edição.

Depois, o pessoal do Conservatório apresentou o prédio, que é patrimônio histórico, e explicou um pouco sobre o surgimento de Belo Horizonte.

O pessoal do Centro-oeste soltou a voz

A She, formadora e pesquisadora do Cenpec, dividiu o grupo por regional e cada um teve que apresentar algo típico de sua região. A música foi uma unanimidade e ouvimos diversas cantigas e danças típicas. Teve gente que soltou o gogó, teve gente que tirou o outro para dançar, teve gente que ficou meio acanhado, cantando baixinho atrás do colega. Até o pessoal do Cenpec fez uma dramatização da correria que é fazer o Prêmio Cultura Viva. Eu, como sou do Cenpec, fiz uma participação especial. Mas morri de vergonha.

Adivinha só se esse grupo com o berimbau não era do Nordeste

Amanhã os grupos voltam a se reunir, dessa vez não mais separados por regiões.

Artista do Nós do Morro, Ponto de Cultura do Rio de Janeiro

Cacos de vida

Gabriel Joaquim dos Santos foi analfabeto até os 36 anos. Depois disso, aprendeu as letras com um menino, seu vizinho. Nunca casou, nem teve filhos. Trabalhou, entre outras coisas, como pedreiro e passou a juntar cacos para construir a Casa Flor. Uma casa feita de cacos, de telha, de vidro, de esperança, em São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro. Seu Gabriel morreu em 1985 e queria que a Casa Flor fosse de todo o povo brasileiro. Patrimônio da humanidade do Brasil.

Abaixo, Suassuna lê uma carta escrita por Seu Gabriel sobre a construção de sua casa. Da nossa casa.

Cultura do Brasil ou Cultura Brasileira?

Em 2007, são comemorados os 80 anos de Ariano Suassuna, pernambucano, teatrólogo e dramaturgo, autor de obras de arte como o Auto da Compadecida e um grande defensor da cultura brasileira. Eu tinha perdido a aula-espetáculo dele no mês passado, lá no Memorial da América Latina, em São Paulo, mas ganhei a chance de vê-lo aqui em Belo Horizonte, no Palácio das Artes. Bom para dar um fôlego novo na vida.

Suassuna é um sujeito que transpira esperança. Fala de um jeito engraçado, como se estivesse contigo sentado na mesa de um boteco depois do expediente, pensando coisas sérias em meio a muitas risadas. Como um amigo de infância.

O teatrólogo começou falando de futebol e de sua paixão pelo Sport Recife (em São Paulo, ele é Santos e no Rio, Botafogo - desde que esses não joguem contra o Sport); de como as jogadas de Robinho, ex-atacante do Santos, lhe recuperam a alegria de assistir a uma boa partida de bola; de como a ginga brasileira é única. Falou de Garrincha, de Seleção Brasileira, da final da Copa do Mundo de 50. E eu, apaixonada por futebol do jeito que sou, me senti ainda mais em casa.

Depois, Suassuna passeou mais um pouco nas palavras, nas citações e nas histórias e nos deu uma aula (por isso se chama aula-espetáculo) sobre arte brasileira. "Não arte no Brasil, porque esse termo é preconceituoso", acrescentou.

Quando ainda era professor no Recife, Suassuna dava aula de cultura brasileira e certo dia a reitoria da universidade pediu que a aula fosse chamada de cultura no Brasil. "Por que não Cultura Brasileira?", perguntou. "Porque a cultura não é brasileira, a cultura do Brasil é só um episódio na Cultura Ocidental", lhe explicaram.

Mas que absurdo, ele achou. "A cultura brasileira existe sim e vou provar". Então, ele fez uma brincadeira na platéia. Ele colocaria uma música, sem voz, somente instrumental, e nós teríamos que adivinhar de qual parte do mundo ela era.



"Isso é cultura espanhola. E por que não pode ter cultura brasileira? Agora vou colocar outra música e vocês falam da onde é":



Isso é cultura brasileira!

Mais frases e histórias de Suassuna

"Aurélio Buarque de Holanda, o do dicionário, tem uma boa história sobre o fardão usado na Academia Brasileira de Letras. Quando ele ia para a academia, ele levava o fardão em uma sacola e vestia quando chegava lá. Então, um dia ele saiu atrasado, colocou a farda em casa e desceu correndo para pegar um táxi. O taxista olhou para ele e disse:

- Sois rei?
- Não, não sou rei não, mas ande depressa que eu estou atrasado.
- Não se preocupe, que uma pessoa vestida desse jeito, as outras só começam a falar quando ela chegar."

"Se meu País não me quisesse mais e me expulsassem daqui, eu ia embora para Portugal, porque é o único povo da Europa que tem o bom senso de falar português."

"Um jornalista escreveu que eu falava essas coisas sobre o povo brasileiro e quando eu não tinha mais o que falar, eu inventava. É verdade. Eu não sou sociólogo. Eu sou romancista e dramaturgo, então eu minto."

"Eu sou contra falar mal na presença da pessoa porque eu acho uma falta de educação. Não custa nada a gente esperar o outro sair."

"Alceu Amoroso Lima dizia que do Nordeste para Minas corre um eixo que não por acaso segue o curso do Rio São Francisco. A esse eixo o Brasil deve voltar de vez em quando para não se esquecer de que é Brasil."

"Eu tenho viajado o mundo inteiro e o Brasil é uma unidade milagrosa. Tem umas coisas misteriosas que acontecem por aqui. De repente aparece uma frase genial que se espalha pelo Brasil todo. Eu tenho impressão que é um homem de Goiás quem diz. Ele fica lá, na forma, esperando algo acontecer e de repente ele fala alguma coisa."

"Nenhuma tirania resiste a uma gargalhada que dê três voltas em torno dela."

"A Suiça, por exemplo, Deus me livre nascer em um lugar daqueles. Que país complicado. São 3 línguas. Se eu nascesse em um lugar desses, eu nascia mudo."

"Eu falo português porque além de ser a língua mais bonita do mundo é a mais fácil. Não precisa nem estudar para saber."

"Pergunte para o mineiro mais analfabeto de Belo Horizonte o que é isso (mostrando um copo) e ele vai dizer: é um copo. E em inglês? Não sabe. Mas em inglês, isso se chama glass. E, veja que língua pobre, vidro também é glass. Sabe o que é isso (mostrando o copo novamente)? É glass de glass."

Frases e histórias de Suassuna


"Minha voz é feia, fraca, baixa e rouca e eu tenho um pigarro desagradável. Hoje sou Secretário de Cultura do Governador Eduardo Campos e já fui Secretário de Cultura do Governador Miguel Arraes, que também pigarreava. E o pessoal achava que eu imitava o chefe."

"Queria começar explicando a minha roupa. Até 1981 eu me vestia como todo mundo; paletó e gravata. Li um artigo de Gandhi que dizia que um indiano pertencente às classes privilegiadas que amasse seu povo não devia usar uma roupa tradicional feita pelos ingleses. Isso seria, além de uma ofensa ao povo indiano, uma forma de tirar uma das únicas fontes de renda da mulher hindu, que era a costura. Então eu não uso mais não. Só uso roupa feita pela costureira."

"Comecei a namorar minha esposa, que está aqui na platéia, em 20 de agosto de 1947. Fizemos 60 anos de namoro, que não acabou, nem acabará."

"Quando eu decidi só usar roupas da costureira, mandei fazer uma branca, uma de mescla azul e uma cáqui. Acontece que eu comecei a ser barrado. E eu achei muito bom. Tenho vocação para ser barrado, o que mostra que não tenho cara de autoridade."

"Três anos depois (de optar pelas roupas da costureira) o presidente de Portugal Mário Soares me deu uma medalha. No convite da cerimônia de entrega estava escrito: Traje esporte fino. E eu pensei 'o que é um traje esporte fino?' Então eu me lembrei que sou torcedor do Sport. A finura ficou por conta do tecido da camisa. E esses são meus trajes para cerimônias (vestindo as cores do Sport Recife: preto e vermelho)."

"Na Academia Brasileira de Letras, eles usam um fardão de cor preto esverdeado, todo enfeitado com bordado imitando ouro. Quando fui eleito para a academia, recebi uma ligação com aquele sotaque desagradável, que já me disseram que é uma média do sotaque do Rio de Janeiro com o sotaque de São Paulo.

- Bom dia, seu Suassuna? Eu sou o costureiro da Academia Brasileira de Letras e vou fazer a sua farda (imitando o sotaque).

- Pode ir falando aí que quem vai fazer a minha farda é a Dite."

*** Depois escrevo mais histórias porque meu tempo aqui no computador acabou.